Por: Marco Antônio de Menezes Ferreira
Graduando do curso de Ciências Biológicas-UFMA
Voluntário do Orla Viva - MA
Em
um mundo globalizado onde a tecnologia avança cada vez mais, é de se esperar o
dia em que os países vão passar a utilizar robôs no lugar de pessoas para fins
militares. O que não é de se esperar é que alguns animais seriam os primeiros a
fazer parte dessa realidade. Você deve estar se perguntando: como assim
animais? Para entendermos essa questão, primeiramente temos que nos remeter a
1963, quando a Marinha dos Estados Unidos iniciou o Programa de Mamíferos
Marinhos da Marinha (Navy's Marine Mammal Program - NMMP) na Califórnia. Tendo
em vista as incríveis habilidades de mergulho (hidrodinamismo e fisiologia), de
ecolocalização, de marcação e recuperação de objetos e de audição dos mamíferos
marinhos, a Marinha dos EUA foi levada a utilizar esses animais em
investigações militares, dando início ao programa. Além disso, a descoberta de
que eles poderiam ser treinados soltos em mar aberto foi mais um ponto positivo
para o projeto. Foram testados vários mamíferos marinhos, porém o
golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops
truncatus) e o leão-marinho-da-Califórnia (Zalophus californianus) se destacaram devido às suas habilidades de
sonar biológico e audição/visão, respectivamente.
|
Figura 1. Leão-marinho da Califórnia utilizado pelo NMMP |
Os
treinamentos tinham como objetivo a proteção de instalações portuárias e de navios
contra mergulhadores não autorizados, a detecção e remoção de minas e a
recuperação de equipamentos. Os animais são separados em equipes especializadas
em determinadas missões. Ao todo são cinco equipes: MK4, MK7 e MK8, formadas
por golfinhos e que constituem o Sistema de Mamíferos Marinhos de Caça de
Minas, responsáveis por detectar e/ou marcar o local de minas fora do fundo
oceânico, detectar e/ou marcar o local de minas no fundo oceânico ou enterradas
e identificar corredores seguros para o desembarque inicial de tropas em terra,
respectivamente; MK6, que utiliza golfinhos e leões-marinhos como sentinelas
para proteger cais, navios, portos e ancoradouros contra veículos, nadadores e
mergulhadores não autorizados; e MK5, formada por leões-marinhos constituindo o
Sistema de Mamíferos Marinhos de "Localização Rápida" responsável
pela recuperação de equipamentos de testes lançados por navios e aviões.
|
Figura 2. (esquerda) Leão-marinho da NMMP colocando uma linha de recuperação em uma peça de equipamento de teste durante o treinamento Figura 3. (direita) Golfinho da NMMP durante treinamento |
Desde
quando foi criado, o programa foi alvo de críticas, principalmente de
ativistas, acerca da controvérsia sobre o tratamento dos animais e das
especulações quanto a natureza das missões e do treinamento, sendo isto muito
provavelmente devido ao caráter confidencial do programa até a década de 1990.
Talvez a crítica mais grave ao programa tenha sido em relação aos rumores
acerca do treinamento de golfinhos para missões de ataque contra navios e
pessoas, ou seja, a criação de verdadeiros "golfinhos-bomba", o que
foi negado veementemente pela Marinha dos EUA. Além disso, a Marinha rebateu as
outras críticas alegando que o NMMP cumpre todas as leis federais relativas à
proteção e tratamento dos mamíferos marinhos, incluindo a Lei de Proteção de
Mamíferos Marinhos e a Lei de Bem-Estar Animal, além de ter uma equipe de
veterinários que acompanha constantemente os animais.
|
Figura 4. Golfinho da NMMP sob cuidados de veterinários |
Se
a Marinha diz a verdade ou não, é difícil de saber, já que, quando se trata de
assuntos militares, tudo é possível. Independente disso, segundo o capitão Frank
Linkous, chefe do Departamento de Minas de Guerra da Marinha dos Estados
Unidos, depois de mais de 50 anos, a Marinha pretende encerrar gradualmente as
atividades do NMMP a partir do ano de 2017 e aposentar os mamíferos marinhos
participantes do programa. Ela pretende substituí-los pelo robô batizado de
Knifefish, um veículo subaquático não tripulado (unmanned underwater vehicle -
UUV) em forma de torpedo que mede 7 metros de comprimento. O plano é que ele
fique pronto para uso até 2017; o Knifefish terá a capacidade de percorrer os
mares por até 16 horas à procura de minas utilizando o sonar para detectá-las.
Uma
questão que podemos levantar é: se o Knifefish UUV utilizará sonar para
detectar minas, isso não vai prejudicar os mamíferos marinhos que também
utilizam o sonar na comunicação? Esperemos que a Marinha dos EUA esteja se
prontificando a estudar isso, até porque o maior impulsionador dessa
substituição pode não ser o bem-estar desses animais por si só, mas sim a
vantagem de custo. Para missões que exigem longas viagens, os animais são
transportados em navios de guerra em compartimentos especiais sempre
acompanhados pelos tratadores e pelos veterinários. Além disso, mesmo depois de
aposentados, eles precisarão de cuidados para o resto da vida, afinal, eles não
são que nem os cães que fazem missões semelhantes, mas em terra, no Afeganistão
e no Iraque (sim, o incrível olfato dos cães também os levaram a participar de
investigações militares), que, quando aposentados, vão morar com os seus
tratadores. Dessa forma, é mais vantajoso, a longo prazo, desenvolver um robô,
apesar de a tecnologia robótica não ser 100% eficaz quando comparada às
habilidades dos mamíferos marinhos, embora chegue bem perto.
|
Figura 5. Knifefish UUV (Unmanned Underwater Vehicle) |
Mas
não são só os golfinhos e os leões-marinhos que estão perdendo seu posto. A
Marinha dos EUA também está investindo em tecnologias para substituir, ou pelo
menos diminuir, a atividade humana na eliminação de bombas perigosas, missões
conhecidas como Eliminação de Artilharia Explosiva (Explosive Ordnance Disposal
- EOD), lembrando que os mamíferos marinhos não executam esses tipos de missão.
É
muito estranho pensar em golfinhos e leões-marinhos envolvidos em investigações
militares, mesmo com toda garantia do NMMP em relação ao bem-estar animal.
Quando se fala no uso deles como armas de guerra, o pensamento, além de estranho,
torna-se assustador e preocupante. Se o novo projeto vai ser realmente eficaz e
não vai trazer prejuízo aos animais marinhos, não sabemos, mas torçamos para
que dê certo. Afinal, apesar de supostamente serem bem cuidados, o lugar deles
é em liberdade na natureza.
Resenha muito boa!
ResponderExcluir